O Chefe de Estado e dono de Angola, José Eduardo dos Santos, endereçou uma mensagem ao seu homólogo da Coreia do Norte, Kim Jong Un, por ocasião da festa nacional desta que é a mais sublime democracia do mundo. A informação consta de uma nota de Imprensa da Casa Civil do Presidente da República.
Por Orlando Castro
N a sua mensagem ao Presidente Kim Jong Un, José Eduardo dos Santos saúda o povo da Coreia do Norte pela comemoração do 70º aniversário da Libertação do país e os esforços empreendidos pelo Governo e Povo norte-coreano, para a conquista e preservação da sua liberdade soberana e da paz, bem como no desenvolvimento económico e social.
Assim se vê que os democratas unidos jamais serão vencidos. Existem pelo menos 25 milhões de razões para José Eduardo dos Santos felicitar o seu homólogo norte-coreano. Vejamos uma.
Todos nos recordamos do que se passou quando o “querido líder” da Coreia do Norte, Kim Jong-il morreu, em 17 de Dezembro de 2011, de – diz-se – ataque cardíaco. O MPLA ficou de luto e, é claro, mais pobre.
Apesar da aparente calma, José Eduardo dos Santos faz contas à vida, até porque o seu regime compra tudo, mas até agora ainda não conseguiu – presume-se – adquirir a vida eterna. O fim está próximo. Fim que poderá passar por uma transição pacífica ou, como parecer ser vontade o MPLA para se perpetuar no poder, por obrigar o Povo a voltar à guerra.
Em Luanda, o presidente não eleito nominalmente e há 36 anos no poder, sabe, agora melhor do que nunca, que as democracias o vão passar de bestial a besta logo que deixe o poder. Se calhar hoje, mais do que ontem, Eduardo dos Santos sabe que já não há amigos como antigamente. E ainda por cima Kim Jing-il morreu. A esperança reside agora no filho.
Quando em Março de 2005 visitou Luanda, o vice-presidente da Coreia do Norte, Zeng Yang Hong, foi claro ao ressaltar a importância da cooperação bilateral, e ainda mais explícito quando disse tratar-se de algo histórico. Eduardo dos Santos agradeceu e deu ordens para que o sistema de vasos comunicantes entre Luanda e Pyongyang seja transformado, rapidamente e em força, num sistema de caudais comunicantes.
É bom que os angolanos (a comunidade internacional passou uma esponja no assunto) saibam que a ditadura de Pyongyang tem relações históricas com a sua congénere de Luanda.
Para além dos laços históricos, nascidos na década de 70 com o apoio militar norte-coreano às FAPLA, é certo que Angola só tem a ganhar, agora mais do que nunca, com o reforço da cooperação com Pyongyang.
Então em matéria de democracia, direitos humanos, liberdades e garantias sociais, a Coreia do Norte continua a ser uma lapidar referência para o regime de Eduardo dos Santos.
Aliás, não é difícil constatar que a noção de democracia de Eduardo dos Santos se assemelha muito mais à vigente na Coreia do Norte do que à de qualquer outro país. E é natural. É que para além de uma longa convivência “democrática” entre ditadores, Luanda ainda tem de pagar a dívida, e os juros, da ajuda que Pyonyang deu ao MPLA. Amigos, amigos, contas à parte.
No que tange a direitos humanos, os princípios são os mesmos embora – reconheça-se – Luanda tenha sido obrigada a alargar o laço que estrangula os angolanos. Mas já está a apertá-lo novamente, desde logo porque os angolanos não podem ter as mesmas veleidades que os tunisinos, egípcios ou líbios.
De qualquer modo continuam os milhões que têm pouco, ou nada, a trabalhar para os poucos que têm milhões. É assim em todas as ditaduras. Foi por isso que algumas delas tombaram, e será por isso que também a de Eduardo dos Santos vai um dia destes cair do pedestal.
É claro que o Governo do MPLA escuda-se nas relações Estado a Estado para estar de bem com Deus e com o Diabo. E faz bem. Segue, aliás, a regra praticada por Portugal em relação a Angola. Mas, tal como outros países, também Lisboa vai aplaudir um dia a queda do dono de Angola, como se nada tivesse a ver com a sua manutenção ao longo de dezenas de anos.
Lisboa nunca se importou com a ditadura, como nunca se importou com a sorte dos angolanos. Aliás, Eduardo dos Santos é elogiado por um vasto leque de políticos lusos, casos de Cavaco Silva, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, tal como Ben Ali o foi por Nicolas Sarkozy e Hosni Mubarak por Barack Obama, por exemplo.
A regra internacional é simples. “Por que carga de chuva temos de estar preocupados com os muitos angolanos que nem uma refeição têm por dia, se nós temos pelo menos três?”
Eduardo dos Santos pensa o mesmo. Kim Jong-il também pensava. Kim Jong Un ainda pensa. Mas não são só eles, acrescente-se. São também os dirigentes das democracias ocidentais, da ONU, da CPLP etc. Para eles pouco importa que em Darfur tenham morrido em dois anos mais de 300 mil pessoas, ou que em Angola a grande maioria da população (perto de 70%) seja tratada abaixo de cão.
Só não viu tudo isto quem era ceguinho (e foram muitos, continuam a ser muitos). Só não vê quem quer continuar a ser cego. E, neste caso, a cegueira é proporcional ao peso do petróleo angolano.